domingo, outubro 23, 2005

Silêncio

Em Lynch a realidade do cinema é a realidade do sonho.
Mas o sonho não se refere, necessariamente, a uma vivência anterior localizada no mundo da vigília. O trabalho do sonho pode chegar primeiro, como em Mulholland Dr.
Diane/Betty existe numa realidade (a do filme), enquanto identidade descontínua, fracturada, refém de uma memória precária, incapaz de reconhecer os traços anteriores à fractura.
Retém apenas os fragmentos, os estilhaços provocados pela multiplicidade de imagens criadas, como na galeria dos espelhos de The Lady from Shanghai.
Em Mulholland Dr. as personagens dizem falas que lhes não pertencem. Porque não têm pensamento próprio, mas são pensadas. Parafraseando Lacan, estão onde não pensam e pensam onde não estão.
Só o silêncio pode reconstruir a sua vida autêntica. Reconstruir quer dizer gravar, filmar.
O silêncio é, evidentemente, a morte.

Abílio Hernandez

O visível

No filme, em qualquer filme, no hay banda ... It’s all tape, os corpos são ausências, mas tudo está desde o início em pleno movimento e a corrente luminosa dos signos abre para nós as possibilidades infinitas do cinema.
Por muitos segredos que nos confrontem – e existem muitos nos filmes de Lynch –, eles, paradoxalmente, não nos escondem nada. Pelo contrário, é nesse perturbador território do visível (que não é idêntico ao visual e está muito para além deste) que se situa a realidade cinemática e não a sua simples aparência.
Não esmaguemos o fora-de-campo para que o filme não impluda.

Abílio Hernandez

segunda-feira, outubro 17, 2005

No hay banda


Na aula da semana passada, reflectimos sobre os limites da interpretação Na próxima 2ª-Feira, vamos analisar Mulholland Drive.
Todos sabem, mesmo os que ainda não o viram, que se trata de um “filme difícil”, cheio de mistério e de sinais: chaves azuis, uma peruca loura, um cowboy improvável, um prestidigitador, um par de mafiosos, óculos de sol opacos, bolsas de mulher cheias de notas, sonhos, amnésias, paixão, traições, identidades fugidias…
É grande a tentação de encontrar uma explicação para tudo e, com isso, reduzir o filme de Lynch a um puzzle ou a uma trama policial que a psicanálise pode ajudar a resolver. Mas se há tentações a que não devemos resistir, esta não é uma delas. Não procuremos, por isso, descodificar o filme a todo o custo.
Em Mulholland Dr. as imagens estão quase sempre para além da função puramente narrativa e resistem a qualquer tentativa de lhes fixar um sentido definitivo. Habitam uma zona indefinida entre o real e a fantasia, um espaço quase líquido em que a sensualidade toma conta do nosso olhar.
Talvez possamos dizer que este é, verdadeiramente, o território privilegiado da imagem fílmica. Habitemo-lo então, ainda que isso signifique, neste filme fascinante, ficar na margem instável da significação.
Quando entrarem no Club Silencio, lembrem-se: “No hay banda. There is no band, it's all a recording. It's all tape.”

Abílio Hernandez

sábado, outubro 15, 2005

O cinema enquanto experiência estética

O curso procura ser, sobretudo, um exercício do olhar, a busca de um modo de reflectir sobre o cinema enquanto experiência estética.
Cada um dos filmes do programa é analisado não apenas – nem fundamentalmente – enquanto produto industrial que também é, mas como objecto que materializa a experiência estética sobre a qual tentamos construir um discurso articulado.
Porque a arte não é objectivável, ou pelo menos não o é no sentido em que podemos classificar um fenómeno verificável em laboratório, o nosso discurso situa-se não no campo da experiência científica, mas no território incerto da intersubjectividade.
Privilegia-se a perspectiva do espectador activo, que refaz ou reescreve o filme de cada vez que o vê, como se esse conjunto de imagens, gestos, sons e silêncios apenas ganhasse vida quando encontra ou é encontrado pelo nosso olhar.
Que não é nunca uma visão de voyeur, mas se constitui, em vez disso, como um olhar de flâneur, que constrói e partilha sentidos possíveis com os fragmentos de espaço e de tempo que no seu percurso vai descobrindo. Sem qualquer ânsia de consenso interpretativo ou preocupação de uma comunicação fluida e límpida. Mas com abertura ao ruído da incomunicação e com amplo espaço para a dúvida, a incerteza e a ambiguidade.

Abílio Hernandez

sexta-feira, outubro 14, 2005

Porquê Senso?


Porque Senso, de Luchino Visconti, é um dos filmes mais belos da história do cinema e o nome que escolhemos para o blog a nossa pequena homenagem.

Alida Valli é a condessa Livia Serpieri.
Quem vir o filme não mais a esquecerá.

Abílio Hernandez

Programa

A disciplina visa dotar os alunos de conceitos teóricos e instrumentos críticos adequados à análise da linguagem cinematográfica, através do visionamento e estudo total ou parcelar de alguns dos filmes que em seguida se indicam.
A análise de cada filme incluirá a sua contextualização na obra do respectivo autor, cinematografia, género e período histórico ou movimento artístico que esteja na sua génese.
A disciplina funciona em regime de seminário e avaliação contínua e pressupõe uma participação activa e regular dos alunos.

Programa:

1. Limites da interpretação:
David Lynch, Mulholland Drive (Mulholland Dr., 2001)

2. Identidades:
John Ford, A Desaparecida (The Searchers, 1956)

3. O território perturbador da questionação:
Ingmar Bergman, O Sétimo Selo (Det Sjunde Inseglet, 1957)

4. Mito e herói trágico:
Pier Paolo Pasolini, Édipo Rei (Edipo Re, 1967)
Akira Kurosawa, Ran, Os Senhores da Guerra (Ran, 1985)

5. A dois: paixão e morte, desejo e poder:
Luchino Visconti, Sentimento (Senso, 1954)
Stanley Kubrick, De Olhos Bem Fechados (Eyes Wide Shut, 1999)

6. O corpo em palco:
Elia Kazan, O Eléctrico Chamado Desejo (A Streetcar Named Desire, 1950)
John Cassavetes, Noite de Estreia (Opening Night, 1977)

7. Filmar a cidade:
Martin Scorsese, Taxi Driver (Taxi Driver, 1976)
François Truffaut, Os Quatrocentos Golpes (Les Quatre Cents Coups, 1959)

Abílio Hernandez




First things first

O melhor é começar mesmo pelo princípio.
A "Análise de Filmes II" inaugura-se este ano lectivo na Faculdade de Letras de Coimbra e decorre no 1º semestre.
É uma disciplina obrigatória para:
- a Licenciatura em Estudos Artísticos (variante de Cinema) da Faculdade de Letras de Coimbra.
E opcional para:
- a Licenciatura em Estudos Artísticos (variantes de Teatro e Música) .
- a Licenciatura em Arquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra.
Pré-requisito indispensável: gostar de cinema e querer saber mais.
Não são permitidas pipocas!
Abílio Hernandez

segunda-feira, outubro 10, 2005

Senso