quarta-feira, dezembro 13, 2006

O espaço e o lugar (e o sujeito)

Se pensar em espaço a primeira coisa que me lembro é do universo, do espaço sideral, uma coisa meia abstracta, quase etérea. Esta é a ideia que o termo “espaço” me transmite. “Lugar” é concreto, já não se trata de uma atmosfera estranha, quando dizemos lugar já o vivemos de alguma forma, faz parte da nossa identidade, da nossa história enquanto indivíduos. Uso “lugar” quando me refiro a um sítio que gosto, onde já estive ou quero ir. Uso “lugar” quando me refiro ao sítio onde nasci; o lugar onde nascemos é o primeiro lugar em que existimos, é o primeiro de muitos lugares que farão parte da nossa memória, embora não nos lembremos como é existir pela primeira vez. Este lugar imprime-se no ser é um lugar-memória, simbólico, representativo do inicio da construção do “eu”.
Os lugares são feitos de pessoas, memórias e identidades. O espaço só possibilita o lugar quando é vivido, só o sujeito o torna possível. Por sua vez o lugar provoca sensações diversas nesse sujeito, que personifica e projecta novas experiências criando, ainda que inconscientemente, novos espaços de significação. Portanto, um mesmo lugar pode compreender diferentes espaços, sendo que aqui o espaço é representativo da projecção das atitudes/sentimentos do sujeito.
Em Suzhou River, o lugar onde Mardar prende Moudan permite o espaço do amor e do ódio. Primeiro, Moudan pensa que Mardar a leva lá para estar com ela e quando percebe o que realmente se passa, aquele lugar, que é um espaço de amor torna-se o espaço do ódio. Este é um exemplo (relativamente) simples dos diferentes tipos de espaço que o lugar pode conter. Contudo, no cinema o espaço e o lugar existem de uma forma, talvez, mais complexa que na realidade porque o cinema permite o impossível.
Aristóteles define lugar como “o espaço no qual um corpo é colocado”. O lugar só existe porque existimos. Podemos, então, reclamar o título de “fazedores de lugares”? Talvez, mas a nossa relação com o lugar é demasiado complexa para ter a certeza. Só existimos num lugar e o lugar só existe se existirmos nele, há uma relação entre o espaço, o lugar e o sujeito em que todos estão em constante mutação.

Joana Barbedo

dARQ


terça-feira, dezembro 12, 2006

Identidades: O Rio Suzhou, de Lou Ye

O filme trata de identidades, confundidas, trocadas, secretas, perdidas, encontradas, novamente perdidas para de novo se encontrarem…

A primeira identidade que nos é apresentada neste filme é a do rio Suzhou. Ele é, provavelmente, a personagem principal, pois é a partir dele que surge esta história de amor, tal como dele nascem inúmeras histórias de Shanghai. A identidade de Shanghai é-nos apresentada de uma forma diferente da cidade moderna que conhecíamos. Aqui, vemos uma Shanghai escura, de arquitectura extremamente degradada, cujo rio sujo é o cenário da vida de gente pobre que dele subsiste ou que nele habita.
O narrador é uma personagem deste filme e a sua identidade é muito complexa, não conhecemos o seu nome nem o seu aspecto, pois é ele que está a filmar. A personagem de Mardar e a do narrador anónimo são a certa altura confundidas devido à obsessão que ambos têm pela misteriosa Meimei.
A personagem de Meimei é ambígua; tanto pode parecer uma perigosa sedutora com um passado desconhecido, como uma rapariga romântica. Moudan é também uma personagem estranha; pode ser uma jovem estudante naïf, quase infantil, como uma adolescente sedutora e madura. Ambas têm em comum a entidade “sereia”; tanto a boneca que Mardar oferece a Moudan no seu aniversário como a imagem da sereia Meimei a nadar no seu aquário, são símbolos de esperança e optimismo, no meio da “sujidade” de Shanghai. Estes contrastes ilustram a incompatibilidade entre a fantasia romântica e a realidade objectiva.
Depois de o narrador nos contar a história da busca obsessiva de Mardar por Moudan, e da crença dele que Meimei é a rapariga que procura, o espectador oscila entre a hipótese de Meimei e Moudan serem realmente a mesma rapariga e a de haver duas raparigas idênticas em Shanghai.
No fim do filme, o narrador não cumpre aquilo que afirmara a Meimei no diálogo do início, e não a procura quando esta parte, como Mardar procurou Moudan.

Este é um filme sobre identidades, necessidades e desejos, bem como da nossa habilidade para reinventar o mundo à nossa volta de acordo com o que queremos.
Joana Pimenta
dARQ

terça-feira, dezembro 05, 2006

A SOLIDÃO QUE EU NÃO DESEJO

“Crazy ,
I’m crazy for felling so lonely
I’m crazy,
Crazy for felling so blue”
(...)

Crazy, written by Willie Nelson, performed by Patsy Cline


É um estado de espírito ou um sentimento, como lhe queiram chamar, que aparece sem aviso, bem devagar, vai-se instalando e tomando o controlo da situação, sem darmos por isso apanhou-nos na sua teia. A solidão, há quem acredite, é o castigo de Deus, o Inferno na Terra, pior que a própria morte. Esta é, talvez, a maior das fragilidades humanas (quero aqui lembrar que muitos castigos e torturas passam pela ausência de contacto humano, de troca de palavras e/ou afectos). Depois dela resta-nos a loucura, depois da loucura só a morte e não há nada mais triste que morrer sozinho, depois disso a memória de quem existiu apaga-se porque não há quem a recorde. A solidão é o pior dos castigos.

“A Streetcar Named Desire” aborda o tema da solidão em (quase) todas a personagens, homens e mulheres, das mais frágeis às mais fortes, das principais à secundárias. Todas elas têm em comum o medo da solidão.
Blanche vive numa espécie de redoma de vidro, criou um mundo próprio onde todas as suas fantasias são possíveis. Ela vive desesperada em busca de uma família, de um homem que a ame. Procura preencher esse vazio, essa falta, com aventuras, já nesta altura tem medo de estar sozinha. Quando conhece Mitch, pensa que pode ser ele o homem que procura. Ou, melhor dizendo, Blanche aceita casar-se com Mitch em desespero de causa. Quando se apercebe que isso não vai acontecer, e depois de ter sido violada por Stan, a loucura toma conta dela. No fim, morre para o mundo real, não passa de um fantasma, de um fragmento humano.
Stan receia tanto a solidão que cada vez que Stella sobe a escada ele grita, desesperado, por ela. Os dois receiam ficar sem o outro, e, na minha opinião, Stella volta para Stan pois, apesar de ela já não estar sozinha, o desejo (e talvez o amor, ou hábito) dos dois vai acabar por vencê-la.
Assim acontece com o outro casal, o que os une é apenas o medo da solidão. Eles são o futuro de Stan e Stella.
A mãe de Mitch, que o espectador nem chega a conhecer, tem medo pelo filho. É a única personagem que tem medo por outra, porque sabe que vai morrer e o filho estará com ela. Por outro lado Mitch é seu filho e ela preocupa-se com o seu futuro, teme que fique sozinho quando ela morrer.
A solidão é o medo maior e as mulheres [e os homens] fazem tudo para não ficarem sozinhas[os].

Joana Barbedo
dARQ