domingo, outubro 23, 2005

Silêncio

Em Lynch a realidade do cinema é a realidade do sonho.
Mas o sonho não se refere, necessariamente, a uma vivência anterior localizada no mundo da vigília. O trabalho do sonho pode chegar primeiro, como em Mulholland Dr.
Diane/Betty existe numa realidade (a do filme), enquanto identidade descontínua, fracturada, refém de uma memória precária, incapaz de reconhecer os traços anteriores à fractura.
Retém apenas os fragmentos, os estilhaços provocados pela multiplicidade de imagens criadas, como na galeria dos espelhos de The Lady from Shanghai.
Em Mulholland Dr. as personagens dizem falas que lhes não pertencem. Porque não têm pensamento próprio, mas são pensadas. Parafraseando Lacan, estão onde não pensam e pensam onde não estão.
Só o silêncio pode reconstruir a sua vida autêntica. Reconstruir quer dizer gravar, filmar.
O silêncio é, evidentemente, a morte.

Abílio Hernandez