terça-feira, novembro 21, 2006

O Cavalo Branco de Mr. Powell



Desde cedo os adultos, cheios de boa vontade e esmero, nos apresentam ao mundo dos contos de fadas. É claro que estes contos têm sempre uma moral e quase sempre um final feliz: o bem prevalece sobre o mal; o trabalho, a honestidade e a dedicação compensam; depois da tempestade vem sempre a bonança; a gula é um dos sete pecados, e não se deve cair em tentação, como o João Ratão; se as meninas forem bem comportadas têm direito a uma vida de princesa (tal e qual a Cinderela) com castelo, vestidos bonitos e o mais importante: um príncipe com cavalo branco.
Toda a gente conhece as virtualidade e possibilidades dos contos de fadas, reportemo-nos agora a “The night of the hunter”. Desde cedo Mr. Powell aparece como o príncipe que salva Willa da solidão e é o pai perfeito para os seus filhos. E mais tarde, quando procura John e Pearl, faz-se deslocar a cavalo. Não é estranho que um homem como Powell escolha um cavalo e não um carro (que podia facilmente roubar a alguém) para fazer a sua cruzada? É que esse cavalo não é um simples cavalo, é o cavalo-branco-dos-contos-de-fadas, que vive no imaginário feminino, e que é sempre esperado com grande expectativa, pois transporta o príncipe que destrói o mal, salva a donzela e possibilita o famoso “foram felizes para sempre”. O cavalo branco transporta-nos, assim como as tatuagens “LOVE” e “HATE”, à “complexidade e contradição” de Powell.
Se por um lado ele tem um ódio profundo à mulher e a tudo o que faz parte do universo feminino, por outro desloca-se num cavalo branco (que faz parte desse universo), qual príncipe encantado que vagueia em busca da sua amada, que traz a felicidade e a paz. E, embora este cavaleiro andante não traga nada de bom, é visto por três personagens (Willa, Ruby e Pearl) como príncipe e curiosamente todas elas procuram o afecto de uma figura masculina. A primeira vê-o como o companheiro, o protector – apesar de (julgo eu) nunca dizer que o ama. Ruby, que depois de ter sido seduzida com uma revista e um gelado(!!!!!), o vê como o homem amado, muito próximo do fim diz: «I love him». E, finalmente, Pearl que o vê como o herói, associando-o à figura paternal e também ela demonstra o seu amor por Powell, usando a mesma expressão de Ruby: «I love him».
Apesar de despertar o amor de três personagens que se deixam enganar pelo seu charme, Powell encontra pessoas imunes ao seu feitiço sedutor: John, porque sendo do mesmo sexo tem uma visão clara do vilão, e Rachel, que não tem nenhum desejo ou afecto por Powell, talvez porque já não acredita em contos de fadas e não se deixa enganar pelo primeiro homem que vê num cavalo branco, pois sabe que nem sempre ‘o hábito faz o monge’, ou melhor dizendo, o cavalo branco nem sempre transporta um príncipe, ou porque ela, ao contrário das outras personagens, não procura mais afectos, vive com todas aquelas crianças e elas são o seu amor. Por seu turno, John encontra o amor que nunca teve num lar onde ele é o único elemento masculino.


O universo onírico dos contos de fadas, cheio de subtilezas e delicadezas, faz-nos acreditar no impossível. “The night of the hunter” é um conto de fadas para adultos, é por isso mais duro e complexo o código simbólico e metafórico. Contudo não deixa de recorrer ao final feliz e cheio expectativa do conto infantil, onde o amor – em qualquer das suas formas – acaba por ser o mais importante.
Joana Barbedo
dARQ

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

«Desde cedo Mr. Powell aparece como o príncipe que salva Willa da solidão e é o pai perfeito para os seus filhos.»

Acho que não viste bem… o Mr. Powell aparece desde logo como um psicopata que assassina viúvas e que acha que tem um pacto com Deus nesse sentido! Onde é que tá a ambiguidade aqui?

sábado nov. 25, 11:54:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Acho que quem está a ver mal esta questão é o Miguel, porque a personagem de Mr. Powell aparece desde o início como um assassino apenas para quem está a ver o filme... Quando Willa o conhece não tem qualquer indício disso...

segunda nov. 27, 06:18:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Ah, e com isto esqueci-me de referir que acho este post bastante interessante pelo facto de abordar as características de "conto de fadas" deste filme de uma forma tão "infantil". Mas "infantil" no bom sentido, pois acho necessário regressarmos ao nosso universo de quando éramos crianças para compreendermos esta história. Isso pode-se revelar um exercício difícil, mas acho que a Joana conseguiu fazê-lo muito bem.

segunda nov. 27, 06:36:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

You have a point there…

terça nov. 28, 12:01:00 da manhã  

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