terça-feira, dezembro 06, 2005

Como uma aula suscita uma evocação e uma reivindicação


Depois dos confrontos interpretativos com o estilhaçado e sensual universo onírico de David Lynch, a melancólica e precária narrativa sobre o amor em Lou Ye e a espiral trágica da vertigem em Hitchcock, eis que chegámos ao território perturbador da questionação com Ingmar Bergman.
A obra que escolhi foi O Sétimo Selo. E aqui, confesso, surgiu para mim um primeiro e prévio elemento de perturbação com que não contava: o ter verificado que, no conjunto de cerca de quarenta alunos, de Estudos Artísticos e de Arquitectura, ninguém, nem um sequer, tinha visto este filme admirável. E que muitos nem sequer sabiam da sua existência. E que, da filmografia do cineasta sueco, apenas um aluno tinha visto A Fonte da Virgem e uma aluna Morangos Silvestres. E não estou a falar de alunos desinteressados, bem pelo contrário.

As causas desta falta de informação são muitas e relevam, em parte, da existência de um mercado cinematográfico e videográfico publicitariamente concentrado na produção mainstream dos últimos anos, a que se junta uma intervenção televisiva que é, como de costume, fatalmente determinante. Os grandes autores clássicos – como Bergman, Renoir, Murnau, Visconti ou Kurosawa, entre muitos outros – não são mais, neste circuito, que um pequeno nicho reservado a pacientes e persistentes coleccionadores ou cinéfilos de longa data.
Alguma coisa tem que ser feita. Pela minha parte, e já que não posso programar o circuito comercial ou as televisões, não descansarei enquanto a minha Faculdade não reservar, finalmente, uma sala dignamente equipada e destinada a exibir, todas as semanas, os inúmeros filmes invisíveis da história do cinema.

Assim, meus caros colegas do Conselho Directivo, este post acaba por ter-vos, imprevistamente, por principais destinatários. Por muito que reconheça – e faço-o com gosto – o apoio prestado por este Conselho Directivo à área de estudos fílmicos, não posso deixar de aqui lançar esta bloguística reivindicação: que o Teatro Paulo Quintela fique, rapidamente, ao serviço das artes que se ensinam na Faculdade. O meu querido mestre e amigo, nascido faz neste Natal cem anos e cuja memória o Teatro perpetua, ficaria com certeza satisfeito. E lá estaria connosco a ver O Sétimo Selo, aplaudindo os pobres e honrados saltimbancos e recitando o Apocalipse durante o jogo de xadrez do Cavaleiro com a Morte.

Abílio Hernandez